Salário, Preço e Lucro

Karl Marx


11. As diversas partes em que se divide a mais-valia


A mais-valia, ou seja aquela parte do valor total da mercadoria em que se incorpora o sobretrabalho, ou trabalho não remunerado, eu chamo lucro. Este lucro não o embolsa na sua totalidade o empregador capitalista. O monopólio do solo permite ao proprietário da terra embolsar uma parte desta mais-valia, sob a denominação de renda territorial, quer o solo seja utilizado na agricultura ou se destine a construir edifícios, ferrovias ou a outro qualquer fim produtivo. Por outro lado, o fato de ser a posse dos meios de trabalho o que possibilita ao empregador capitalista produzir mais-valia, ou, o que é o mesmo, apropriar-se de uma determinada quantidade de trabalho não remunerado, é precisamente o que permite ao proprietário dos meios de trabalho, que os empresta total ou parcialmente ao empregador capitalista, numa palavra, ao capitalista que empresta o dinheiro, reivindicar para si mesmo outra parte desta mais-valia, sob o nome de juro, de modo que ao capitalista empregador, como tal, só lhe sobra o chamado lucro industrial ou comercial.

A questão de saber a que leis está submetida essa divisão da importância total da mais-valia entre as três categorias de pessoas aqui mencionadas, é inteiramente estranha ao nosso tema. Mas, do que deixamos exposto depreende-se, pelo menos o seguinte:

A renda territorial, o juro e o lucro industrial nada mais são que nomes diferentes para exprimir as diferentes partes da mais-valia de uma mercadoria ou do trabalho não remunerado, que nela se materializa, e todos provém por igual desta fonte e só desta fonte. Não provêm do solo, como tal, nem do capital em si; mas o solo e o capital permitem a seus possuidores obterem a sua parte correspondente na mais-valia que o empregador capitalista extorque ao operário. Para o operário mesmo, é uma questão de importância secundária que esta mais-valia, fruto de seu sobretrabalho, ou trabalho não remunerado, seja exclusivamente embolsada pelo empregador capitalista ou que este se veja obrigado a ceder parte a terceiros, com o nome de renda do solo, ou juro. Suponhamos que o empregador utiliza apenas capital próprio e seja ele mesmo o proprietário do solo; neste caso, toda a mais-valia irá parar em seu bolso.

É o empregador capitalista quem extrai diretamente do operário esta mais-valia, seja qual for a parte que, em última análise, possa reservar para si. Por isto, desta relação entre o empregador capitalista e o operário assalariado depende todo o sistema do salariado e todo o regime atual de produção. Alguns dos cidadãos que intervieram em nosso debate, ao intentarem atenuar as proporções das coisas e apresentar esta relação fundamental entre o empregador capitalista e o operário como uma questão secundária, cometeram, portanto, um erro, embora, por outro lado, tivessem razão ao afirmar que, em dadas circunstâncias, um aumento dos preços pode afetar de um modo muito desigual o empregador capitalista, o dono da terra, o capitalista que empresta dinheiro e, se quereis, o arrecadador de impostos.

Do exposto resulta ainda outra conseqüência: A parte do valor da mercadoria que representa unicamente o valor das matérias-primas e das máquinas, numa palavra, o valor dos meios de produção consumidos, não gera nenhum rendimento, mas se limita a repor o capital. Mas, afora isso, é falso que a outra parte do valor da mercadoria, que forma o rendimento, ou pode ser gasta sob a forma de salário, lucro, renda territorial e juro, seja constituída pelo valor dos salários, pelo valor da renda territorial, o valor do lucro, etc. Por ora deixaremos de lado os salários e só trataremos do lucro industrial, do juro e da renda territorial. Acabamos de ver que a mais-valia contida na mercadoria, ou a parte do valor desta na qual está incorporado o trabalho não remunerado, por sua vez se decompõe em várias partes, designadas por três nomes diferentes. Afirmar, porém, que seu valor se acha integrado, ou formado pela soma total dos valores independentes destas três partes constituintes, seria afirmar o inverso da verdade.

Se uma hora de trabalho se realiza num valor de 6 pence e se a jornada de trabalho do operário é de 12 horas e a metade deste tempo for trabalho não pago, este sobretrabalho acrescentará à mercadoria uma mais-valia de 3 xelins, isto é, um valor pelo qual não se paga nenhum equivalente. Esta mais-valia de 3 xelins representa todo o fundo que o empregador capitalista pode repartir, na proporção que fôr com o dono da terra e com o emprestador de dinheiro. O valor destes 3 xelins forma o limite do valor que eles podem repartir entre si. Mas, não é o empregador capitalista que acrescenta ao valor da mercadoria um valor arbitrário para seu lucro, acrescentando em seguida outro valor para o proprietário da terra e assim por diante, de tal maneira que a soma destes valores arbitrariamente fixados constituísse o valor total. Vêdes, portanto, o erro da idéia correntemente exposta, que confunde a divisão de um dado valor em três partes, com a formação desse valor, mediante a soma de três valores independentes, convertendo desta maneira numa grandeza arbitrária o valor total, de onde saem a renda territorial, o lucro e o juro.

Se o lucro total obtido por um capitalista for de 100 libras esterlinas, chamamos a esta soma, considerada como grandeza absoluta, o montante do lucro. Mas se calculamos a proporção entre estas 100 libras e o capital desembolsado, a esta grandeza relativa chamamos taxa de lucro. É evidente que se pode expressar esta taxa de lucro sob duas formas.

Vamos supor seja de 100 libras o capital desembolsado em salários. Se a mais-valia obtida for também de 100 libras - o que nos demonstraria que a metade da jornada de trabalho do operário se compõe de trabalho não remunerado - e se medíssemos este lucro pelo valor do capital desembolsado em salários, diríamos que a taxa de lucro era de 100 por cento, já que o valor desembolsado seria 100 e o valor produzido 200.

Se, por outro lado, não só considerássemos o capital desembolsado em salários, mas todo o capital desembolsado, digamos, por exemplo, 500 libras, das quais 400 representam valor das matérias-primas, maquinaria, etc., diríamos que taxa de lucro apenas se elevava a 20 por cento, visto o lucro de 100 não ser mais que a quinta parte do capital total desembolsado.

O primeiro modo de expressar a taxa de lucro é o único que nos revela a proporção real entre o trabalho pago e o não remunerado, o grau real da "exploitation"(1) do trabalho (permiti-me o uso desta palavra francesa). A outra forma é a usual, e para certos fins é, com efeito, a mais indicada. Em todo caso, prova ser muito útil, por ocultar o grau em que o capitalista arranca do operário trabalho gratuito.

Nas observações que ainda me restam por fazer, empregarei a palavra lucro para exprimir o montante total de mais-valia extorquida pelo capitalista, sem me preocupar com a divisão desta mais-valia entre as diversas partes interessadas, e quando usar o termo taxa de lucro medirei sempre o lucro pelo valor do capital desembolsado em salários.