A partilha da Palestina

Quarta Internacional

Novembro-dezembro de 1947


Fonte: Esquerda Diário.

Tradução: Caio Reis.

HTML: Lucas Schweppenstette.


Depois dos “três grandes"(1) chegarem a um acordo sobre a partilha da Palestina, a votação nas Nações Unidas não era mais que uma formalidade. O imperialismo britânico está se retirando do Oriente Médio em direção a uma segunda linha de defesa comparável àquela estabelecida com a divisão da Índia. No interior dos dois Estados, o judeu e o árabe, a Grã-Bretanha conserva o cerne de suas posições econômicas e financeiras. A Legião Árabe do hipotético Estado Árabe e a Haganah(2) atuaram em estreito diálogo com o Ministério da Guerra britânico, como ocorre com os exércitos hindus e muçulmanos na Índia. E, como na Índia, a partilha tem se demonstrado a melhor maneira de desviar a luta das massas árabes e a ira da população trabalhadora judia para uma luta fratricida.

As manobras do imperialismo britânico se fizeram necessárias por conta da redução de seus recursos. Esta diminuição obriga os imperialistas a rebaixarem seus “compromissos internacionais” para poupar tanto dólares quanto mão de obra e armamento. Isto se apresenta de forma ainda mais hipócrita no caso concreto da Palestina. Na verdade, a criação de um Estado árabe independente na Palestina é muito pouco provável. Por isto, o Rei Abdullah da Transjordânia(3), o agente número 1 da City de Londres no mundo árabe, muito bem poderia conseguir integrar o leste da Palestina em seu Reino e assim dar o primeiro passo na formação de seu império Grão Sírio, objetivo final de sua dinastia e da burguesia britânica no Oriente Médio. Londres seguirá governando sem que custe um centavo ao contribuinte britânico. Os únicos que sofreriam com isto seriam os próprio palestinos.

Tanto para o imperialismo norte-americano como para a burocracia soviética, a aceitação da partilha significa, sobretudo, a liquidação do mandato britânico e a abertura da luta pela herança das posições abandonadas. O Kremlin se alegra pela abertura de um período de agitação no Oriente Médio, durante o qual fará todo o possível para debilitar os postos britânicos e preparar sua própria penetração, seja pela aparência de uma “comissão mista da ONU” ou de uma “tutela dos três grandes” sobre Jerusalém. O imperialismo estadunidense enfrenta na Palestina, como antes na Grécia, o problema de encontrar uma solução substituta para a tutela imperialista que o britânicos não podem mais assumir. Após a evacuação das tropas britânicas, o Haganah será a única força militar com equipamentos modernos, uma força fora do mundo árabe e que será utilizada, se necessário, para combater uma insurgência nativa ou uma ameaça Russa às fontes de petróleo. No entanto, não devemos nos surpreender, a partir de agora, se o imperialismo estadunidense, seja formando uma Liga judaica ou financiando-a, tente ter uma influência predominante na Haganah e convertê-la em instrumento de sua política no Oriente Médio. Porém, segue sendo evidente que um Estado Judeu, como o movimento sionista que o precedeu, seja considerado pelas grandes potências apenas como um peão de suas manobras dentro do mundo árabe. Tal Estado, longe de receber a “proteção” aberta e permanente de qualquer um desses poderes, ficará sempre em uma posição precária e incerta, e para a sua população se abrirá um período de privação, terror e terrível tensão, que apenas irá se intensificar na medida que se desenvolverem as forças que lutam pela emancipação do mundo árabe.

A partilha da Palestina e a clara troca de posições sionistas frente ao imperialismo britânico - incluindo a maior parte dos extremistas - acertaram um golpe mortal a todas as teorias impressionistas que floresceram com as bombas da Irgun(4). A solidariedade fundamental da Haganah e inclusive do Irgun com o imperialismo e contra as massas árabes tem se demonstrado de maneira surpreendente. O caráter criminoso do sionismo é visto claramente no fato de que, graças a seu papel reacionário, os primeiros movimentos das massas árabes por uma Palestina unidade e independente se dirigiram contra a população judia e não diretamente contra o imperialismo. Os dirigentes ultra reacionários do Comitê Árabe para Palestina tem assim a oportunidade de melhorar sua imagem derramando sangue dos desafortunados judeus vitimas da politica sionista.

Os líderes sionistas do mundo festejaram a proclamação do Estado em miniatura como uma grande vitória. Miserável erro!! A armadilha de que a Palestina é para os judeus, nas palavras de Trotsky, volta a se fechar.

Sem uma mudança radical da situação mundial e sem o retrocesso do sionismo no movimento operário judeu na Palestina, o extermínio completo do povo judeu durante a irrupção da revolução árabe será o preço pago por estes judeus por seu triste êxito em Lake Success(5). E, por uma amarga ironia da história, o estabelecimento de um Estado judeu independente que, segundo os brilhantes teóricos sionistas devia erradicar o antissemitismo no mundo, foi recebido pela irrupção de uma onda pogromista em Aden e uma nova onda de antissemitismo no mundo.

A posição da Quarta Internacional sobre a questão palestina segue sendo tão clara como no passado. Estará na vanguarda da luta contra a partilha, por uma Palestina unida e independente, em que as massas determinem soberanamente seu destino mediante a eleição de uma Assembléia Constituinte. Contra os efêndis [nobreza árabe, NdT.] e os agentes imperialistas, contra as manobras das burguesias egípcia e síria, que procuram desviar a luta pela emancipação das massas para a luta contra os judeus, chamará a revolução rural, a luta anticapitalista e anti-imperialista, que são os motores essenciais da revolução árabe. Porém, apenas poderá dirigir está luta com possibilidade de êxito se adotarem uma postura inequívoca, contra a partilha do país e a criação de um Estado Judeu.

Mais que nunca, devemos chamar ao mesmo tempo as massas trabalhadoras da América, Grã-Bretanha, Canadá e Austrália, os trabalhadores de todos os países, para que lutem por uma abertura das fronteiras de seus respectivos países aos refugiados, aos desprezados, a todos os judeus que desejam emigrar, sem discriminação. Apenas se levarmos a cabo esta luta com seriedade, eficácia e êxito poderemos explicar aos judeus porque não devemos cair na armadilha palestina. A terrível experiência que espera os judeus no Estado em miniatura cria ao mesmo tempo as premissas para a ruptura de grandes massas com o criminoso sionismo, Se essa ruptura não se produzir com o tempo, o “Estado judeu” se afogará em sangue.


Notas de rodapé:

(1) EUA presidido por Truman, o Reino Unido por Attle como primeiro ministro e a URSS por Stalin. (retornar ao texto)

(2) Organização paramilitar judaica, dirigida por D. Ben Gurion. Foi fundada na época do mandato britânico para assegurar a defesa dos colonos judeus. (retornar ao texto)

(3) Emirado localizado na parte sul do Levante, a leste do rio Jordão, na sua maior parte localizado na atual Jordânia. (retornar ao texto)

(4) Organização nacionalista judia nascida em 1935 de uma ruptura do Haganah, e dirigida desde 1945 por M. Begin. O Irgun organizou a imigração clandestina dos judeus à Palestina e lutou mediante o terrorismo contra a presença britânica no país e contra as populações palestinas. (retornar ao texto)

(5) Cidade próxima a Nova York onde foi negociado o status da Palestina pela ONU em 1947. (retornar ao texto)

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Inclusão: 01/02/2024