Há pouco mais de cinco anos, o governo legalmente eleito no Chile foi derrubado por um golpe militar. O Presidente da República, Salvador Allende, foi assassinado pelos golpistas. Muitos milhares de patriotas foram massacrados, milhões de democratas foram esbulhados em seus direitos e sofreram perseguições. O ditador posto à frente da ditadura instaurada pelo golpe fascista — Pinochet — se tornou um símbolo universalmente reconhecido (e odiado) da reação na América Latina. Em compensação, o Secretário Geral do Partido Comunista do Chile, Luís Corvalán, encarcerado pelos algozes de seu povo, se tornou um símbolo da resistência democrática e da vitalidade dos ideais socialistas no nosso continente, Hoje, reconquistada sua liberdade, Corvalán se acha empenhado, mais do que nunca, na luta pela reconquista da liberdade para todo o povo chileno. Voz Operária conseguiu ouvi-lo dia 25 de setembro, em Moscou, num momento em que o regime de Pinochet enfrenta crescentes dificuldades e é execrado pela opinião pública mundial.
VO - Como você resumiria o processo político que culminou no golpe de Pinochet, camarada Corvalán?
LC - Onze anos depois da Revolução Cubana, o povo chileno conquistou uma parte do poder político. Essa posição se manteve durante quase três anos, ao longo dos quais se realizaram as principais transformações estruturais da revolução antiimperialista e antioligárquica, no rumo do socialismo.
A Revolução Chilena foi motivo de profundo mal-estar e inquietação para o imperialismo norte-americano. Ele temia que outros povos se sentissem estimulados a empreender um caminho semelhante, caso a experiência do Chile alcançasse pleno êxito. Por isso, engendrou-se nos Estados Unidos o golpe fascista.
VO - Por que a aliança da Unidade Popular não foi capaz de garantir o prosseguimento do processo de transformações iniciado com a eleição de Allende e de impedir a articulação golpista?
LC - Sabe-se muito bem que a revolução traz com ela o perigo da contra-revolução. A contra-revolução avança quando os revolucionários perdem a iniciativa, quando a revolução se detém e passa à defensiva, em suma, quando a correlação de forças se altera em favor dos nossos inimigos. Da nossa experiência podem ser extraídas muitas lições. A principal delas é a de que não fomos capazes de conseguir manter a correlação de forças — que, num dado momento, nos era favorável, não só pelo número, mas em virtude dos efeitos da confiança e do fervor revolucionário das massas — permanentemente em nosso favor, impedindo que a iniciativa passasse às mãos da reação.
VO - Como o Partido Comunista do Chile caracteriza o atual quadro político chileno?
LC - Transcorridos cinco anos do golpe fascista, os fatos demonstram que a ditadura está se enfraquecendo a cada dia que passa e que o povo está se fortalecendo. Inverte-se a tendência. A classe operária, as massas populares, as forças democráticas, ocupam crescentes espaços políticos e desenvolvem sua luta. Pinochet, em compensação, opera num campo cada vez mais restrito e pisa num terreno cada vez menos firme.
VO - Camarada Corvalán, como você vê a evolução da situação na América Latina, sobretudo neste último ano, marcado por tantos acontecimentos?
LC - À luz do que vem ocorrendo na América Latina, pode-se afirmar que a ofensiva desencadeada no continente nestes últimos anos pelo imperialismo vem perdendo força. Os povos estão assumindo a iniciativa. Os acontecimentos da Nicarágua são, a esse respeito, os mais elucidativos. Mas não se trata apenas da Nicarágua. O ascenso das lutas dos trabalhadores no Brasil, o avanço da oposição ao regime de Geisel; o desenvolvimento das lutas e a unidade das forças antifascistas no Chile, no Uruguai e em outros países; a libertação do camarada Antonio Maidana e de outros presos políticos no Paraguai; as tendências assinaladas nos resultados das eleições na Bolívia, no Equador, no Peru, em São Domingos e em outros países; tudo isso demonstra que estamos no início de novo preamar nas lutas das forças democráticas.
VO - E como você analisa a política do Presidente Carter para a América Latina, e particularmente em relação ao Chile?
LC - Trata-se de uma política contraditória, inconsequente e, em alguns aspectos, hipócrita. Sua administração teve alguns gestos positivos em relação ao Panamá e, em menor grau, em relação a Cuba. No entanto, mantém o bloqueio deste último país, o que é injusto, arbitrário e cruel.
Em matéria de direitos humanos, Carter se equivoca completamente, atira na direção errada e passa por alto o que acontece em sua própria casa. E, o que é mais grave, sob a administração de Carter o imperialismo norte-americano — e em grande parte seu próprio governo — continuam apoiando financeira e militarmente as sangrentas ditaduras da América Latina, como a de Somoza, a de Pinochet e a de Stroessner.
VO - Qual é a situação real da Unidade Popular? Como ela está se recuperando dos duros golpes recebidos sob a ditadura fascista?
LC - A Unidade Popular resistiu à prova da derrota, quer dizer, manteve-se como tal. E sua coesão é cada vez maior. Os partidos Comunista, Socialista, Radical, MAPU OC (Operário e Camponês), MAPU e Esquerda Cristã, que integram a Unidade Popular, representam o setor político mais avançado e esclarecido do povo chileno. A unidade desses partidos significa que vencemos uma parte da batalha, que a classe operária e o povo revolucionário exercerão amanhã, tal como exerceram ontem, uma influência decisiva nos destinos da nação. A ditadura fascista pretendeu liquidar os partidos da Unidade Popular, mas não pôde, nem poderá, destruí-los pelo terror.
VO - Como você sente, camarada Corvalán, a solidariedade internacional? Como vê o apoio que se dá à luta do povo chileno nestes dois anos de permanência sua no exterior?
LC - Demonstrou-se que a opinião pública mundial, a consciência democrática da humanidade e a mobilização de multidões de homens e mulheres progressistas constituem uma força colossal, capaz de impor um recuo e até de derrotar aqueles que pretendem submeter os povos às cadeias da escravidão.
A solidariedade internacional foi um dos fatores do isolamento a que foi relegada a Junta. Entre as vitórias da solidariedade internacional, se conta esse isolamento a que foi relegada a Junta; a Junta fascista foi praticamente obrigada pela pressão dos povos a abrir as portas de suas prisões para centenas e milhares de pessoas que se achavam encarceradas.
O movimento de solidariedade ao povo chileno é verdadeiramente universal. A União Soviética, a República Democrática Alemã, Cuba e outros países socialistas, a classe operária, os partidos comunistas, os partidos socialistas e social-democratas, os partidos republicanos e liberais, as três centrais mundiais de sindicatos, as organizações internacionais da juventude e das mulheres, às universidades e os estudantes, os juristas, governos e parlamentos, as nações não-alinhadas, os movimentos de libertação nacional, as igrejas, as mais destacadas personalidades da cultura mundial e toda a humanidade progressista consideram como seus o nosso drama e a nossa luta.