Monarquia ou Democracia

Pol Pot

agosto de 1952


Título original: Reacheathibtey ry Brachathibtey.

Origem: artigo escrito por Saloth Sâr (conhecido como Pol Pot), usando o pseudônimo de “Khmer Deum” (Khmer Original), e publicado em Khemara Nisit (Estudante Khmer), em agosto de 1952.

Fonte para a tradução: seção inglesa do Arquivo Marxista na Internet.

Tradução: Rick Magalhães de Sá.

HTML: João Victor Bastos Batalha.

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Em 15 de junho de 1952, Sua Majestade Norodom Sihanouk dissolveu o governo e, ao mesmo tempo, ameaçou dissolver a Assembleia do Povo se ela se opusesse à tomada. Este golpe real agitou todo o país, e fez a nós, os cidadãos, pensar sobre suas causas.

Certamente, a constituição dá ao Rei o poder de dissolver o governo, mas esse golpe é um ato de injustiça, uma vez que o Rei desprezou os direitos democráticos e cometeu um ato de desacato com a assembleia eleita que representa legalmente o povo. Se o Rei realmente preza pelos interesses da nação, a segurança do povo, como ele costuma dizer em seus discursos, ele não deveria realizar esse golpe real pela força. Você deveria ter reunido o governo para encontrar os melhores meios de expulsar o exército francês e os comparsas dos franceses, para alcançar a independência direta do país. O Rei deveria ter se aliado com a Assembleia. Por quê?

A história nos mostra que somente a Assembleia e os direitos democráticos podem conceder alguns suspiros de liberdade para o povo Khmer, como, por exemplo, na época do Príncipe Youtevong. Quando não houver mais Assembleia, o país será imediatamente subordinado. Em 1949, o Rei reinante aliou-se com Yem Sambaur e nosso país foi, ao mesmo tempo, subordinado por um tratado com a França, que continuará a permanecer durante muito tempo no Camboja.

O povo Khmer se lembra dessa história e não a esquecerá; apenas os que pensam em seus interesses pessoais podem esquecer. Esse golpe de Estado de 15 de junho nos mostra que não estamos sob o reinado de uma monarquia constitucional, mas sim sob um regime de monarquia absoluta. O Rei é absoluto; ele procura destruir os interesses do povo quando este está em uma posição de fraqueza; ele se preocupa com o fato de que, quanto mais educada for a população, mais fácil será ver as falhas dos reis. O rei absoluto usa boas palavras, mas seu coração continua ímpio; ele usa demagogia para enganar o povo.

I. O que é uma monarquia?

É uma doutrina que entrega o poder a um pequeno grupo de indivíduos de posições elevadas, para que possam explorar a maioria das outras classes sociais. Monarquia é uma doutrina injusta, tão infecciosa quanto uma praga pútrida. A humanidade deve aboli-la. A monarquia é uma doutrina absoluta que só existe através do nepotismo. Suas falhas são numerosas.

1. A monarquia é inimiga do povo.

A história nos mostra que, desde que nosso país existe, nós sempre fomos dominados e explorados pela monarquia. A condição do povo é rebaixada à de um animal; o povo, que é considerado um rebanho de escravos, é forçado a trabalhar incessantemente, noite e dia, para alimentar a monarquia absoluta e seu harém de cortesãos.

2. A monarquia é inimiga da religião.

O povo acredita que a religião é amiga, por isso a respeitam e a colocam acima do Homem. Mas, desde os tempos antigos, a monarquia usa demagogia, fazendo o povo acreditar que ela também representa a religião, que respeita as Dez Virtudes Reais. Para convencer o povo e explorar com mais facilidade, a monarquia fez com que os poetas compusessem a lenda de Preah Leak Chinavong, segundo a qual o rei sempre teve o direito à vida e à morte sobre o povo. Mas os iluminados monges sempre entenderam a natureza da monarquia muito bem, e encontraram formas de explicar às pessoas a não confiarem nela. Eles criaram a história de Themh Chey, para mostrar que uma criança do povo, Themh Chey, pode derrotar um rei ignorante; Themh Chey ousa se opor à coroa. A monarquia destruiu a religião Budista por outros meios; por exemplo, dividindo os monges em vários grupos, criando uma posição mais elevada, a de Samdech (Senhor).

3. A monarquia é amiga do colonialismo.

A história que observamos, desde que nosso país passou a ter dominação francesa, os reis Khmer estão se afastando cada vez mais do povo Khmer. A sua designação, para aceder ao trono, está sob a autoridade francesa. Portanto, o rei reinante é apenas um peão dos colonialistas, aliando-se a eles para preservar sua coroa e a monarquia. Sempre há lutas pelo trono. O Príncipe Youkanthor foi criado pelos franceses que confiaram o trono a Sua Majestade Sisowath; existem muitas lutas desse tipo.

4. A monarquia é inimiga do conhecimento.

Ela usa todos os meios para que o povo não seja educado e acredite que o Rei é o Ser Supremo. Quando o povo é educado, ele se torna um inimigo virulento da monarquia e exige desesperadamente sua abolição. Aqui vão alguns exemplos:

- Nosso grande mestre Buda foi muito culto; ele logo percebeu que, seu pai, o Rei Suthotana (Sânscrito: Soddhodana), enriqueceu injustamente, deixando o povo definhar na ignorância, na doença, na fome, na falta de moradia, sem escolas, e sem hospitais. Buda então decidiu abandonar a monarquia e se tornar amigo do Homem e do povo, ensinando os homens a amarem uns aos outros.

- Príncipe Youtevong, bastante culto, também abandonou os monarquistas para incutir a democracia no povo Khmer.

II. O que é uma democracia?

É um regime que confia o poder a uma maioria do povo. Portanto, a democracia é totalmente contrária à monarquia. Esses dois regimes são inimigos e não podem coexistir, como o golpe real de 15 de junho prova.

A história mostra que esses dois regimes sempre se opõem, e a paz não pode ser estabelecida até que a monarquia desapareça. A revolução de 1789 na França, sob a liderança de Robespierre e Danton, dissolveu a monarquia e executou o Rei Luís XVI.

A revolução de 1917 na Rússia, com Lenin e Stalin como guias, aboliu completamente a monarquia. A revolução de 1924 na China, o povo, sob direção do Dr. Sun Yat-sen, aboliu a monarquia e toda a família imperial.

A monarquia é um regime que os povos de todos os países agora adotam; é tão preciosa quanto diamantes, e não pode ser comparada com nenhum outro regime. É por isso que o povo Khmer canta: “O regime democrático de hoje é como um rio que desce das montanhas, regando as plantas, e que ninguém pode obstruir...”. O regime democrático é parte da moralidade Budista, porque nosso grande mestre Buda foi o primeiro a ensiná-lo. Portanto, somente o regime democrático pode salvaguardar o profundo valor do Budismo.

III. O golpe real

Não é a primeira vez que Sua Majestade Norodom Sihanouk abusa da vontade do povo Khmer. Nós vemos que, quando o povo é fraco e se deixa levar, o Rei aproveita para desprezar a constituição, como aconteceu em 1949, quando ele tentou camuflar seu absolutismo. Mas, não podendo mais se camuflar, tomou, em 15 de junho, a injusta decisão de dar um golpe de Estado, desafiando até mesmo seus amigos monarquistas, alguns dos quais estão na prisão.

A pergunta que fica é: em que força o rei se apoia para realizar o golpe?

1. O golpe é o resultado do poder colonial francês.

A prova encontra-se no discurso real de 4 de junho, na reunião do Conselho do Reino. Notamos as seguintes passagens: “Eu (o rei) recentemente conheci o Sr. Vincent Auriol, ele me confiou os assuntos relativos a Sua Excelência Son Ngoc Thanh... Recentemente, também, Sr. Letouneau compartilhou da minha opinião e me disse que ele havia prometido aliviar certas cláusulas se um futuro governo (Khmer) estivesse pronto para reprimir os combatentes da resistência (Issarak) e suavizar essas cláusulas quando a guerra tivesse terminado.” Nessa mensagem real para o povo, o rei declarou que “podemos contar com a ajuda que nossos aliados franceses e americanos nos trazem.”

Tudo isto prova, claramente, que o golpe foi apoiado pelo colonialismo francês.

2. O golpe é obra da monarquia.

Outras evidências podem ser encontradas nas mensagens reais: “Tendo herdado essa monarquia que data de dezesseis séculos, para governar o povo...”. (Mensagem para estudantes). “Pelos meus deveres como rei, pela minha responsabilidade perante a pátria, perante o povo, perante a história e perante meus antepassados que me legaram essa monarquia nacional...”. (Mensagem para a nação). “Mesmo que eu tenha que me tornar um simples cidadão, eu sempre defenderei a monarquia”. (Discurso do Rei para estudantes em Paris). Todos estes discursos do rei provam que o golpe foi unicamente do interesse real.

IV. O governo

Sua Majestade Norodom Sihanouk é o chefe de governo resultante do golpe. Os outros ministros são cortesãos que não sabem nada de política e ignoram os infortúnios do povo. Todos devem pensar cuidadosamente sobre o destino do povo Khmer, que já nem sequer possui a liberdade de realizar uma reunião de mais de quatro pessoas.

V. O programa governamental

Os discursos do rei claramente mostram que o novo programa governamental para o período de três anos, em que o rei deterá o poder absoluto, está dividido em duas partes:

1. Nos primeiros dois anos, fazer guerra contra os insurgentes (os chamados patriotas nacionais).

2. No terceiro ano, negociar com a França, que promete conceder-lhe plena independência.

Tal programa visa apenas amordaçar o povo, prender e expulsar aqueles que se atrevem a opor-se à política do Rei. Em segundo lugar, visa dissolver partidos políticos que se opõem aos interesses do trono, uma vez que esses partidos não se calam. Por fim, a política do rei é provocar uma guerra civil que queimará tudo, até mesmo os templos budistas. Os monges, as pessoas, os funcionários públicos passarão por dolorosas separações familiares, eles verão seus pais, suas esposas e seus filhos esmagados por tanques, queimados por napalm; as colheitas serão destruídas. O exército colonialista, que a monarquia absoluta já chamou ao resgate, já cometeu atos de pilhagem e violência contra mulheres... Na administração, os colonialistas serão os senhores, como antes.

Surge então a questão sobre quem será o vencedor dos dois primeiros anos desta guerra destrutiva. Supondo que a monarquia consiga suprimir os patriotas nacionais, a questão é se, no terceiro ano, o Camboja pedirá ajuda a Sião, ele terá que prestar homenagem a Sião, e se o Rei, que apela por ajuda da França, terá que prestar homenagem à França. Assim, o Rei Norodom Sihanouk, que apelou à França, deve deixar os colonialistas ligarem o Camboja à França por tratados que lhes permitem dominar o Camboja para sempre.