Senhores,
Não tive a honra de nascer suíço e por isso conheço pouco a Constituição da qual alguns peticionários pedem que se suprima um artigo; trata-se aqui de uma questão de humanidade, debatida por todos os países civilizados. Na qualidade de homem e internacionalista, tenho o direito de discutir essa questão. Infelizmente, também devo me ocupar dela enquanto francês, uma vez que minha pátria ainda é um país de decepadores; a guilhotina, lá inventada, segue em funcionamento.
Sendo eu um inimigo da pena de morte, devo antes de mais nada entender sua origem. Ela derivaria justamente do direito de defesa pessoal? Se assim fosse, seria difícil combatê-la, pois a cada um de nós estaria assegurado o direito de defender os seus e a si próprio, seja contra uma fera, seja contra a crueldade do ataque de um homem. Esse direito não pode ser delegado a ninguém, porque ele só existe enquanto dura o perigo. Quando pegamos em armas contra a vida de nossos semelhantes, é porque não haveria mais nenhuma ajuda social contra eles; é porque ninguém poderia mais nos ajudar. Da mesma forma, quando um homem se coloca acima dos demais, fora de qualquer contrato, e fazendo pesar seu poder sobre cidadãos transformados em súditos; estes últimos teriam o direito de se levantar e matar aquele que os oprime. A História, felizmente, nos dá numerosos exemplos da reinvindicação desse direito.
★ ★ ★
A origem da pena de morte, tal como é aplicada atualmente pelos Estados, é certamente a vingança: a vingança sem medida, tão terrível quanto só o ódio pode inspirar; a vingança regulada por uma espécie de justiça sumária, ou seja, uma pena de retaliação: “Dente por dente, olho por olho, cabeça por cabeça”. Foi assim que a família se constituiu. Ela substituiu o indivíduo no exercício da vingança ou la vendetta. Ela exige o preço do sangue: cada ferida é paga com outra ferida, cada morte com outra morte, e é assim que os ódios e as guerras vão se perpetuando. Essa era a situação em grande parte da Europa na Idade Média, e ainda no século passado na Albânia, no Cáucaso e em muitos outros países.
Com o tempo, surgiu um pouco de ordem nessas guerras sem fim, graças à redenção. Indivíduos e famílias podiam se redimir, e esse tipo de acordo era estabelecido pelas tradições. Uma boa quantidade de bois, ovelhas ou cabras, moedas sonantes ou frações de terra podia ser determinada para a redenção de uma vida. O condenado também poderia obter seu perdão sendo adotado por outra família, às vezes até mesmo pela que o havia ofendido; poderia conquistar a liberdade através de um feito heroico; ou então, poderia cair num estado tão deplorável que não valeria mais a pena puni-lo. Bastava se esconder atrás de uma mulher e já estaria livre, tornando-se desprezível demais para que o quisessem matar, porém ainda mais infeliz do que se estivesse todo coberto de feridas. Ele viveria, mas seria preferível morrer.
★ ★ ★
A lei de retaliação das famílias obviamente não podia se manter nos grandes Estados centralizados, fossem eles monarquias, aristocracias ou repúblicas. Nesses casos, seria a sociedade, representada por seu governo, rei, conselheiros ou magistrados, que assumia a responsabilidade pela vingança, ou pela vindicta, como se diz na linguagem jurídica. Mas a História nos mostra que, ao monopolizar o direito de punir em nome de todos, o Estado, a casta ou o rei, acabavam se concentrando sobretudo em vingar suas próprias ofensas – e bem sabemos com que fúria perseguiam seus inimigos e dos requintes de crueldade que utilizavam contra eles. Não há tortura que a imaginação humana possa inventar que não tenha sido utilizada contra milhões de pessoas: em alguns lugares, se queimavam as vítimas em fogo baixo; em outros, se esfolava ou se cortava os membros uma a um; em Nuremberg, trancava-se o condenado no interior da “Virgem de Ferro”, aquecida ao fogo; na França quebravam-se os ossos dos membros, ou os arrancavam com quatro cavalos; no Oriente empalavam-se os infelizes; no Marrocos construíam-se muros deixando apenas a cabeça do condenado de fora. E por que todas essas vinganças? Seriam para punir crimes verdadeiros? Não. O ódio dos reis e das classes dominantes sempre se voltou contra aqueles que reivindicavam a liberdade de pensar e agir.
★ ★ ★
A pena de morte sempre esteve a serviço da tirania. O que fez Calvino quando teve o poder em suas mãos? Mandou queimar Michel Servet, um daqueles raros homens de visão científica que a humanidade já teve. E Lutero, outro fundador de religião? Incitou os senhores a perseguirem os camponeses: “Matem-nos, matem-nos, o inferno os receberá mais cedo!”. O que fez a Igreja Católica? Organizou a queima de livros. Organizou os autos-de-fé, acendeu as fogueiras e manteve o nobre povo da Espanha sob terror durante três séculos. Mais recentemente, quando uma cidade livre, culpada apenas de ter mantido sua autonomia, foi conquistada por seus inimigos. Não vimos também estes matarem aos milhares – homens, mulheres, crianças – usando de metralhadoras para aumentar mais depressa a pilha de cadáveres? E aqueles que participaram do massacre, orgulhosos de sua obra, não vieram aqui se gabar de forma cínica? Aqui mesmo pudemos ouvi-los.
(O orador faz alusão à repressão à Comuna de Paris)
★ ★ ★
O Estado é feroz quando se trata de vingar ataques contra seu poder, mas mostra menos ímpeto diante dos crimes comuns, e aos poucos, passou a sentir vergonha de aplicar a pena de morte. Já se foram os tempos em que os carrascos, com vestes vermelhas, exibiam-se ao lado do rei: eles deixaram de ser a segunda figura do Estado, não são mais o “milagre vivo” como Joseph de Maistre os chamava. Tornaram-se a vergonha da sociedade, e sequer permitem que os reconheçam pelos seus verdadeiros nomes. Houve homens que chegaram a cortar suas próprias mãos para não serem forçados a servir como carrascos. Em muitos países onde a pena de morte ainda existe, as execuções, sejam por decapitação, forca ou garrote, só acontecem dentro das prisões. Em vários outros, a pena de morte foi abolida; há mais de cem anos o sangue dos decapitados não mancha o solo da Toscana, e a Suíça está entre as nações que tiveram a honra de destruir seus cadafalsos. E agora ela não teria a vergonha de restabelecê-la! Está dando muito pouco valor ao seu próprio legado. Antes que restaure a pena de morte, que ao menos se prove à Suíça que os países onde há menos crimes são justamente aqueles em que a pena é mais terrível!
Ora, acontece precisamente ao contrário, pois o sangue chama o sangue; é precisamente em torno dos cadafalsos e nas prisões que se formam os assassinos e ladrões. Nossos tribunais são escolas do crime. E quem poderia ser mais vil do que aqueles de quem a vingança pública se serve para reprimir: delatores, carcereiros, carrascos e policiais!
★ ★ ★
Dessa forma, a pena de morte não serviria para nada. Mas seria ela justa?
Não, ela não é justa. Quando uma pessoa se vinga sozinha, ela pode considerar seu inimigo como o único responsável; mas a sociedade como um todo, deve reconhecer que existe um vínculo que liga a todos os seus membros, sejam eles virtuosos ou criminosos, e reconhecer que em cada crime também há uma responsabilidade dela própria. A sociedade cuidou do criminoso enquanto criança? Deu a ele uma boa educação? Tornou os caminhos de sua vida mais fáceis? Sempre lhe deu bons exemplos? Garantiu que tivesse chances reais de se tornar honesto ou de se recuperar depois de cometer um erro? E se não nada disso, o criminoso não poderia acusá-la de injusta?
O economista Stuart Mill, um estudioso íntegro que merece servir de exemplo a seus colegas, equipara os diversos membros da sociedade a corredores que um “César” qualquer obrigaria a disputar uma mesma corrida. Alguns deles seriam jovens, ágeis e cheios de energia; outros já seriam mais velhos; haveria também os doentes, os mancos e até àqueles sem pernas. Seria mesmo justo condenar os últimos à miséria, à escravidão ou à morte, enquanto os primeiros seriam coroados vitoriosos? Alguns teriam oportunidade de serem felizes, de ter educação, de ter força, e seriam assim reconhecidos como virtuosos, enquanto outros seriam induzidos pelo ambiente a viver na miséria ou nos vícios, recaindo sobre eles a vindicta social?
★ ★ ★
Mas haveria ainda outra causa que impediria a sociedade burguesa de aplicar a pena de morte: ela mesma já mata, e mata aos milhões. Está provado pelos estudos em Saúde que a expectativa de vida média poderia já ser o dobro do que é hoje. A miséria encurta a vida dos pobres. Certos trabalhos matam em pouquíssimos anos, senão em pouquíssimos meses. Se todos tivessem acesso às alegrias da vida, viveriam como os nobres ingleses, passando facilmente dos seus sessenta anos. Mas estes primeiros, condenados ao trabalho forçado ou – o que é ainda pior – ao desemprego, morreriam antes do tempo, e durante suas curtas vidas seriam ainda atormentados por moléstias e enfermidades. O cálculo é simples. Só na Europa, a sociedade extermina cerca de oito a dez milhões de pessoas por ano, não com tiros, mas ao negar-lhes lugar no banquete da vida. Há dez anos um operário inglês chamado Duggan se suicidou com sua família. Um infame jornal, sempre ocupado em louvar reis e poderosos teve a ousadia de comemorar essa tragédia: “Que bom alívio”, disse, “Operários sem lugar se matam sozinhos, nos poupando do desagradável trabalho de matá-los com nossas próprias mãos”. Eis aí a confissão cínica do que pensam todos os adoradores do Deus Capital!
Qual seria então o remédio para todos esses assassinatos em massa, e também, para os crimes isolados? Sabemos bem o que um socialista proporia: uma mudança social completa rumo ao coletivismo, em que a terra e os instrumentos de trabalho pertencessem a todos os que trabalham. Só assim o abismo do ódio entre as pessoas poderia ser aterrado, a miséria e a busca desenfreada pela fortuna – a grande indutora de crimes – deixaria de colocar os cidadãos uns contra os outros, fazendo a vindicta social cessar enfim. Em vez do direito da força, que reina na natureza selvagem, é necessário fazer prevalecer a justiça, que é o ideal de toda pessoa digna de seu nome.
★ ★ ★
Mesmo numa sociedade transformada, ainda poderão existir crimes. Fisiologicamente, o tipo de criminoso pode recorrentemente reaparecer. O que faremos então? Vamos matar o criminoso? De forma alguma. Se o crime se origina da loucura, o trataremos, assim como tratamos os doentes, protegendo-nos de suas violências. Quanto aos que se tornam criminosos por impulsividade ou pelo ardor do sangue, seria possível, desde já, oferecer-lhes a chance de reabilitação por meio do heroísmo.
Já vimos várias vezes condenados se atirarem às chamas ou às águas para salvar uma pessoa e, assim, recuperar o respeito alheio. Os prisioneiros que a Comuna de Cartagena libertou, e que a França posteriormente voltou a escravizar, mostraram um heroísmo sublime durante os poucos meses de sua liberdade. “Obedeçam”, dizia o Cristianismo, e o povo assim o fez. “Enriqueçam-se”, dizem os burgueses a seus filhos, e estes buscam a riqueza de uma maneira ou de outra, seja pela violência, seja com mais astúcia, explorando cada vez mais os limites das leis. “Tornem-se heróis”, dizem os socialistas revolucionários, e até mesmo os bandidos poderão se reerguer pelo heroísmo.