As Responsabilidades do Partido e da Classe Operária Portuguesa no Problema Colonial

Francisco Martins Rodrigues

Maio de 1960


Primeira publicação: in O Militante, III série, n.º 104, Maio de 1960, pp. 4-5.

Fonte: Francisco Martins Rodrigues: Documentos e papéis da clandestinidade e da prisão. Seleção de João Madeira. Editora Ela por Ela e Abrente. Lisboa, março de 2015. Págs: 40-41.

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de reprodução:© Editora Ela por Ela. Transcrição gentilmente autorizada por Ana Barradas (Ela por Ela).


Capa do livro

Abordando o problema das colónias portuguesas dum ponto de vista marxista, o nosso Partido inscreveu corajosamente no seu Programa o reconhecimento do direito de autodeterminação para os povos africanos e asiáticos actualmente subjugados à exploração colonial portuguesa. O PCP não só admite sem reservas de qualquer espécie que esse direito venha a concretizar-se na independência nacional desses povos, como se propõe ajudá-los com todas as suas forças no caminho para a libertação. Ao tomar esta posição, que se distingue radicalmente da de quaisquer outras organizações nacionais, o Partido lança os alicerces para um futuro de solidariedade fraterna entre a classe operária portuguesa e os trabalhadores africanos e asiáticos durante séculos oprimidos pelos colonialistas portugueses.

E se esta atitude é a única que respeita as obrigações do internacionalismo proletário e a única que abre caminho para o povo português apagar a vergonhosa mancha do colonialismo, ela é a que ao mesmo tempo mais favorece a luta libertadora conduzida pelo nosso Partido, pois que arrancar das mãos do grande capital colonialista português e estrangeiro as suas fontes de superlucros em Angola, Moçambique, Goa, Guiné, etc., é quebrar os dentes ao fascismo em Portugal. Os trabalhadores portugueses estão hoje irmanados com os povos das colónias portuguesas na luta contra inimigos comuns e daqui deriva a grande importância da linha traçada pelo Partido sobre o problema colonial.

Mas este foi apenas um passo inicial. Definida a orientação do Partido, encontramo-nos agora perante a tarefa de conquistar a consciência da classe operária e das massas trabalhadoras para as posições do Partido; é preciso que em torno da linha do nosso Partido se faça uma adesão, não apenas passiva, mas activa e resoluta por parte de amplas massas da população. Não esqueçamos que a luta dos povos das colónias portuguesas pela independência nacional entrará na sua fase superior dentro de um período decerto curto e que o governo dos roceiros e monopolistas não hesitará em passar da repressão surda à guerra aberta, envolvendo o nosso país numa guerra colonial suja e condenada à derrota; será então a altura para se verificar à luz do dia a seriedade do trabalho do Partido junto das massas quanto a este problema vital.

E será bom compenetrarmo-nos de que esse trabalho não é fácil. Seria uma ingenuidade perigosa supormos que uma organização colonial de cinco séculos poderia ser apagada de um momento para o outro sem deixar marcas profundas em amplas camadas da população.

Devemos contar em primeiro lugar com os interesses económicos estabelecidos nas colónias e os vínculos que ligam os colonos a milhares de famílias da metrópole.

A emigração para as colónias, por vezes famílias inteiras fugindo à decadência dos campos portugueses, constitui um factor que não deve ser desprezado porque cria naturalmente em certos sectores da população um estado de espírito propenso a ser explorado pelo salazarismo, que apela à “defesa das províncias do ultramar“. A política de intensificação da emigração para África de trabalhadores e pequenos fazendeiros é de resto um recurso declarado do grande capital nacional e estrangeiro com o objectivo de vincular mais estreitamente o destino das colónias à sua exploração insaciável.

Se a maioria da população condenou a repressão sobre o povo de Goa, em 1954-55, se o descontentamento contra o envio de tropas expedicionárias tem tomado formas vivas, isto está longe de significar que algumas camadas da população, incluindo mesmo certos sectores da classe operária, não possam ser sensíveis, em determinadas circunstâncias, à demagogia imperialista e não possam vir a facilitar pela sua expectativa e irresolução o desencadeamento duma sangrenta e condenada guerra colonial. Devemos ter uma noção realista acerca da posição da burguesia nacional em relação a este problema. Quando os elementos mais liberais desta classe reprovam a odiosa repressão colonialista de Salazar sobre os povos das colónias, eles não o fazem de maneira inteiramente consequente, uma vez que admitem a continuação do domínio colonial português.

Nós precisamos de não ignorar a extensão do preconceito colonialista entre certas camadas intelectuais e de trabalhadores não-proletários, funcionalismo, etc., e de ter na devida conta que eles serão, à medida que se agudizar a luta dos povos coloniais, uma fonte constante de hesitações e de posições inconsequentes que só podem facilitar a tarefa ao fascismo. Demais, as frequentes alocuções histéricas dos ministros de Salazar sobre “a defesa do património sagrado da Pátria“ fazem-nos prever um renovamento da campanha de intimidação lançada em 1954, quando do caso de Goa, tendo em vista paralisar a oposição aos colonialistas sob o receio de ser classificado de “traidor à Pátria“.

Deste modo, o problema põe-se com clareza: se não conseguirmos bater, rapidamente e por completo, no terreno ideológico os preconceitos colonialistas arreigados em certas camadas da população, se não soubermos forjar entre as massas trabalhadoras das cidades e dos campos uma hostilidade decidida à ideia de guerra colonial sob quaisquer pretextos, poderemos sofrer revezes sérios e ver dentro em breve o nosso País envolvido numa selvática guerra em África ou na Ásia; se, pelo contrário, ao tentar desencadear a guerra colonial em defesa dos monopolistas e dos roceiros, o governo encontrar pela frente a negação à aventura militar, a simpatia popular pela causa da emancipação dos povos coloniais, a recusa das tropas em ir massacrar os trabalhadores africanos, nesse caso, a crise do domínio colonial poderá trazer ao nosso Partido e a todo o Povo português brilhantes êxitos na luta libertadora nacional.

Devemos, portanto, lançar-nos ao trabalho desde já. Mas, para que as organizações do nosso Partido assimilem correctamente a orientação quanto ao problema colonial e saibam popularizar e fazer-se forte, torna-se necessário sabermos ultrapassar dois erros que correntemente manietam o nosso trabalho de agitação: um, é crermos que a consciência das massas se forma espontaneamente, e, portanto, vermos com óculos cor-de-rosa a sua disposição, não irmos ao encontro das suas dúvidas e hesitações, não sabermos utilizar o debate e a discussão, que são a nossa grande arma; o outro é confundirmos a unidade das forças anti-salazaristas com o ecletismo em matéria ideológica; devemos ter sempre presente que os compromissos concretos que o nosso Partido toma no terreno da actuação prática tendo em vista a unidade anti-salazarista em nada afectam a independência ideológica do Partido, independência que devemos defender ciosamente, se não quisermos ver o movimento proletário português transformar-se num apêndice da burguesia; isto quer dizer que a linha do Partido em relação ao problema colonial — autodeterminação para os povos das colónias portuguesas, sem quaisquer subterfúgios — não é uma orientação sujeita a critérios de oportunidade mas uma orientação para que devemos conquistar a consciência de milhões de portugueses, batendo em todo o lado as velhas concepções colonialistas.“

por Serpa