
A origem social da minha família é a da pequena burguesia decaída no funcionalismo. Meu pai e dois dos meus irmãos são funcionários, minha mãe trabalha para fora; os parentes mais próximos são funcionários ou empregados, um é proprietário rural vivendo dos rendimentos.
Estudei até aos 16 anos, com dificuldades económicas, trabalhando depois como empregado de comércio e de escritório (4 anos) e como operário especializado (2 anos e meio); expulso pela PIDE do emprego após uma prisão, trabalhei ainda três meses como caixeiro de praça; em seguida, passei a dedicar-me exclusivamente à actividade política.
As tendências políticas da minha família são de antifascismo e de um radicalismo pequeno-burguês, individualista, desligado da classe operária, mas simpatizante com a causa do socialismo. Meu pai teve actividade democrática na sua juventude, pelo que foi afastado de oficial do Exército; um meu irmão (hoje doente incurável) teve actividade democrática e esteve preso; dois outros irmãos e minha mãe deram colaboração ocasional à luta antifascista. Os outros membros da família são mais conservadores e alheios a qualquer actividade política. Um meu tio, que hoje está arruinado, já foi grande agrário, legionário, membro da União Nacional (?); um filho dele esteve para entrar para a PIDE mas não chegou a ser admitido. A convivência com este ramo da família foi sempre muito escassa pela diferença de posição social e de opiniões políticas.
Depois de uma fase de interesse teórico pelo marxismo e do esforço para me aproximar da classe operária, o que me levou a fazer a aprendizagem de um ofício, consegui ser ligado ao MUDJ em fins de 1949. Aí actuei durante quatro anos seguidos, primeiro na minha empresa (actividade desportiva e cultural, recolha de solidariedade, formação de uma comissão juvenil) e em acções de agitação, depois 37;(1) em Setembro de 1951 fui chamado para 252136(2), trabalhando em 3730443822453847.(3)
A minha filiação no Partido data de Abril de 1951, tendo durante 2 anos e meio como tarefa exclusiva a actividade legal; após uma reunião ampliada do sector, passei a sofrer um controle partidário individual e autoritário (controle sector 212327322543)(4) que não me chamava suficientemente ao espírito de Partido; passado ano e meio fui integrado num organismo partidário para a mesma tarefa (era um org. com 3820284923(5) controlado por 2522224123),(6) trabalhando durante cerca de um ano, com interrupções e limitações por doença.
No decurso da minha actividade política legal tive três pequenas prisões de alguns meses: por ter tomado parte numa manifestação pela Paz; por mandar imprimir uns manifestos; e por ter sido denunciado por um democrata preso. Da primeira vez, em 1950 (ainda não era membro do nosso Partido), embora recusando-me a dar quaisquer indicações, respondi para os autos sobre a minha posição política; das outras duas vezes declarei-me aderente do MUDJ e recusei-me a prestar quaisquer outras declarações. Não fui espancado.
O que caracteriza esta fase da minha actividade é a estreiteza de contactos e de orientação que impediu uma aprendizagem directa das lutas de massas e gerou tendências sectárias e burocráticas; ao mesmo tempo, o afastamento quase completo dos problemas da actividade partidária, criando-me a noção de não ser igual aos restantes membros do Partido, não me vinculou suficientemente ao Partido. Aspectos positivos dessa actividade: trabalho de agitação e propaganda, hábitos de democracia interna na actividade legal, firmeza perante o inimigo.
Depois de uma suspensão de perto de um ano por doença, fui reintegrado na actividade partidária, passado à ilegalidade como funcionário em fins de 1954; data desta altura o meu casamento com a cam. Z, democrata e simpatizante do Partido, que já sofrera duas prisões; acompanhou-me no entanto com bastantes dificuldades em relação à vida ilegal.
No espaço de dois anos e meio trabalhei em (funcionário de 37)(7) (8 meses), em (Sector 24263530363439379)(8) (6 meses), em (tarefa técnica 36202710)(9) (3 meses e em (zona 29212347253340)(10) (4 meses). As sucessivas transferências foram devidas ao deficiente cumprimento das tarefas, embora nalguns casos houvesse, quanto a mim, precipitação em decidir essa transferência. Eis o que hoje penso quanto a esta fase da minha actividade:
Em 1955, trabalhando na tarefa (funcionário de 37),(11) manifestei discordâncias com a linha do Partido em relação ao sector; essas discordâncias eram devidas em grande parte a incompreensões que tinha sobre o papel dirigente do nosso Partido, a não encarar os problemas do sector de posições do Partido mas de posições meramente democráticas, a pretender uma certa “autonomia“ do sector em relação ao conjunto do Partido; todas estas ideias se tinham desenvolvido insensivelmente durante o período anterior, na actividade legal. Discordei também nesta altura de alguns aspectos do trabalho de organização: havia falta de trabalho colectivo, autoritarismo e uma forma burocrática de tratar com os quadros.
Porém, estas discordâncias e críticas não foram bem acolhidas e, depois duma discussão tempestuosa, fui transferido de tarefa sem mais explicações. As dificuldades que eu já sentia devido às minhas deficiências agravaram-se muito nesta altura: 1.°) não estava convencido da justeza de me ter sido retirada a tarefa (funcionário de 37)(12); 2.°) não me sentia capacitado para o desempenho da nova tarefa que me fora confiada (sector 2426353036343937);(13) 3.°) estava-me a deixar enlear pelas dificuldades da minha companheira em adaptar-se à vida ilegal.
Atravessei assim um período em que me sentia inseguro no trabalho e com ressentimentos pela minha transferência que sofrera, mas sem coragem para exprimir francamente todas as minhas opiniões. Por isso, caí no burocratismo, numa insegurança e incerteza que me levaram a cometer vários erros conspirativos, e que motivaram o mau cumprimento das tarefas que me foram destinadas; a falta de confiança que notava nos camaradas controleiros e a precipitação com que as tarefas me eram dadas e retiradas só concorreram para agravar as minhas deficiências, chegando mesmo a um certo amolecimento do espírito revolucionário e a uma resistência velada e mal definida à linha do Partido. Durante este período sofri uma suspensão de 3 meses por ter cometido erros conspirativos que acarretaram perigos e despesas para o Partido. Com a ajuda que me foi prestada e com a atribuição da tarefa (zona 29212347253340)(14) recomecei pouco a pouco a ganhar confiança em mim próprio, embora ainda com receio de manifestar claramente as minhas opiniões e de as defender.
Trabalho colectivo em que participei nestes dois anos e meio; uma reunião dum organismo (org. com 23223341) (15) controlado por (39292033303)(16) que foi em seguida dissolvido por motivos de defesa, uma ou duas reuniões dum outro organismo (org. com 352522492535).(17) Contr. por (292 529 45)(18) que foi dissolvido pelo mesmo motivo, colectivo (tarefa técnica 362027)(19) e uma reunião de quadros. Na maior parte do tempo fui controlado individualmente (controle individual por 2631-39292033).(20)
Em Fev. de 1957 fui de novo preso, entregue por um provocador num encontro; a casa caiu por razões que ainda não estão claras. Não me identifiquei, não respondi a qualquer pergunta e não assinei os autos. A PIDE procurou levar-me a prestar declarações em troca da libertação da minha companheira, mas não fui espancado nem torturado. No tribunal declarei-me comunista e neguei-me a dar quaisquer esclarecimentos sobre a minha actividade; defendi a actuação do nosso Partido e desmascarei as ilegalidades da PIDE enquanto me deixaram falar. Pena: 3 anos e medidas.
Na actividade prisional participei em lutas por melhoria do regime em (org. constituído 2126383027)(21) e (282729332).(22)
Actualmente, estou em desacordo com alguns aspectos da linha política do Partido expressos no Programa: conforme já expus desenvolvidamente, penso que a linha do Partido tem sido afectada desde 1956 por desvios oportunistas de direita que ainda não foram analisados e corrigidos.