Contra a vulgarização da palavra de ordem da autocrítica

Josef Stálin

26 de junho de 1928


Primeira edição: publicado pela primeira vez no jornal “Pravda” (A Verdade), Edição 146 (3.978), página 02.

Fonte para a tradução:Obras Completas, Volume 11 (Janeiro de 1928 – Março de 1929)”, publicado pelo “Instituto Marx, Engels, Lênin, Stálin” do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (Bolchevique) (PCUS-B), Moscou, 1947.

Tradução e Adaptação: Thales Caramante.

HTML: João Batalha.

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A palavra de ordem da autocrítica não pode ser encarada como algo passageiro e fugaz. A autocrítica é um método especial, o método bolchevique de educação dos quadros do Partido e da classe operária em geral, no espírito do desenvolvimento revolucionário. O próprio Marx já falava da autocrítica como um método de fortalecimento da revolução proletária. No que diz respeito à autocrítica em nosso Partido, o início da autocrítica remonta ao surgimento do bolchevismo em nosso país, aos primeiros dias do seu nascimento como uma corrente revolucionária especial no movimento operário.

Sabe-se que Lênin, ainda na primavera de 1904, quando o bolchevismo ainda não era um partido político independente, mas trabalhava junto com os mencheviques dentro do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) — sabe-se que já naquela época Lênin convocava todo o Partido à “autocrítica e ao desmascaramento impiedoso de suas próprias falhas”. Eis o que Lênin escreveu na época em sua brochura “Um Passo à Frente, Dois Passos Atrás”:

Eles (isto é, os adversários do marxismo) seguem com caretas de alegria maligna as nossas discussões; evidentemente procurarão utilizar para os seus fins algumas passagens isoladas desta brochura dedicada aos defeitos e lacunas do nosso partido. Os social-democratas russos estão já suficientemente temperados nas batalhas para não se deixarem perturbar por essas alfinetadas, e para prosseguir, apesar delas, o seu trabalho de autocrítica, continuando a revelar implacavelmente as suas próprias lacunas, que serão corrigidas, necessária e seguramente, pelo crescimento do movimento operário. E que os senhores adversários tentem apresentar-nos da situação verdadeira dos seus próprios “partidos” um quadro que se pareça, mesmo de longe, com o que apresentam as atas do nosso 2º Congresso!

Por isso, estão enganados os camaradas que acreditam que a autocrítica é algo passageiro, uma moda que logo vai desaparecer. Na realidade, a autocrítica é uma ferramenta inalienável, essencial e sempre ativa no arsenal do bolchevismo, profundamente ligada à sua natureza e ao seu espírito revolucionário.

Alguns afirmam que a autocrítica só é útil para um partido que ainda não chegou ao poder, quando “não tem nada a perder”, e que se torna perigosa para um partido já no poder, cercado por forças hostis, pois os inimigos poderiam explorar nossas fraquezas.

Isso não é verdade. É completamente falso! Pelo contrário: justamente porque o bolchevismo chegou ao poder, porque os bolcheviques podem se tornar presunçosos diante dos sucessos da nossa construção, porque podem deixar de perceber suas próprias fraquezas — e, com isso, abrir espaço para as investidas dos inimigos — é exatamente por isso que a autocrítica é indispensável, especialmente agora, depois da tomada do poder.

O objetivo da autocrítica é identificar e eliminar nossos erros e fragilidades. Não está claro que, sob a ditadura do proletariado, ela só fortalece a luta do bolchevismo contra os inimigos da classe operária? Lênin tinha isso em mente quando escreveu, em abril-maio de 1920, sua brochura “Esquerdismo, a Doença Infantil do Comunismo”:

A atitude de um partido político diante de seus erros é um dos critérios mais importantes e mais seguros da seriedade do partido e do cumprimento, na prática, de seus deveres para com sua classe e para com as massas trabalhadoras. Reconhecer abertamente os erros, revelar suas causas, analisar a situação que os gerou, discutir atentamente os meios para corrigir os erros — eis o sinal de um partido sério, eis o cumprimento de seus deveres, eis a educação e a formação da classe e, depois, também das massas.

Lênin tinha mil vezes razão quando disse, no 11º Congresso do Partido, em março de 1922:

O proletariado não tem medo de admitir que, na revolução, tal coisa lhe saiu muito bem, e tal outra não saiu. Todos os partidos revolucionários que pereceram até agora, pereceram porque ficaram presunçosos, não souberam ver onde estava sua força e tiveram medo de falar sobre suas fraquezas. Mas nós não pereceremos, porque não temos medo de falar sobre nossas fraquezas e aprenderemos a superar essas fraquezas.

A conclusão é clara: sem autocrítica, não existe uma verdadeira educação do Partido, da classe trabalhadora e das massas. E sem essa justa educação, não há bolchevismo.

Por que a palavra de ordem da autocrítica se tornou tão relevante justamente agora, neste momento histórico, em 1928? Porque hoje, mais do que um ou dois anos atrás, vemos com nitidez o agravamento das contradições de classes, tanto dentro do país quanto fora dele.

Porque hoje, mais do que antes, ficou evidente a ação de sabotagem dos inimigos de classe contra o Poder Soviético — inimigos que exploram nossas fraquezas e erros para atacar a classe operária.

As lições do Processo de Shakhty e das “manobras nas coletas de grãos” dos elementos capitalistas do campo, somadas aos nossos erros de planejamento, não podem ser ignoradas.

Precisamos corrigir rapidamente esses erros e fraquezas revelados pelo Processo de Shakhty e pelas dificuldades na coleta de grãos, se quisermos fortalecer a revolução e enfrentar, bem armados e organizados, os nossos inimigos.

Também é urgente identificar e expor nossas fragilidades ainda ocultas — porque elas existem — para não sermos surpreendidos por reviravoltas que só beneficiariam os inimigos da classe operária.

Cada atraso significa dar vantagem aos adversários e aprofundar nossos problemas. Mas nada disso será possível sem ampliar a autocrítica, sem fortalecê-la e sem envolver milhões de trabalhadores e camponeses na tarefa de apontar e eliminar nossas falhas.

A Plenária de abril do Comitê Central e da Comissão Central de Controle tinha toda razão ao afirmar, em sua resolução sobre o Processo de Shakhty:

A condição principal para garantir a execução bem-sucedida de todas as medidas planejadas é aplicar de forma efetiva a palavra de ordem do 15º Congresso sobre a autocrítica.

Mas, para que a autocrítica avance, é preciso superar obstáculos que ainda se impõem ao Partido. Entre eles estão o atraso cultural das massas, a falta de força cultural na vanguarda proletária, nossa inércia e até certa “presunção comunista”. No entanto, o obstáculo mais sério — talvez o maior de todos — é o burocratismo presente em nossos aparelhos. Isso significa a presença de elementos burocráticos nas organizações partidárias, estatais, sindicais, nos kolkhozes e outras estruturas. Esses elementos se alimentam das nossas fraquezas e erros, temem como fogo a crítica e o controle das massas, e nos impedem de desenvolver a autocrítica, bloqueando a justa correção dos nossos problemas, dos nossos erros. O burocratismo não é apenas lentidão ou excesso de papelada, ele é uma manifestação da influência burguesa dentro das nossas organizações. Lênin estava certo quando dizia:

[...] É preciso que compreendamos que a luta contra o burocratismo é uma luta absolutamente necessária, e que ela é tão complexa quanto a tarefa de luta contra o elemento pequeno-burguês. O burocratismo em nosso regime estatal adquiriu a importância de tamanha ferida que nosso programa partidário fala sobre ele, e isso porque ele está ligado a esse elemento pequeno-burguês e à sua dispersão.

É preciso conduzir com ainda mais firmeza a luta contra o burocratismo em nossas organizações, se realmente queremos desenvolver a autocrítica e eliminar as feridas que comprometem nossa construção socialista.

Com a mesma determinação, devemos mobilizar milhões de operários e camponeses para assumir a tarefa da crítica vinda de baixo, para exercer o controle de baixo, que é o principal antídoto contra o burocratismo. Lênin estava certo quando, também, dizia:

Se queremos lutar contra o burocratismo, devemos atrair para isso as bases, pois de que outra forma se pode acabar com o burocratismo, senão atraindo os operários e camponeses.

Para atrair milhões de pessoas para essa tarefa, é indispensável desenvolver a democracia proletária em todas as organizações de massa da classe operária — e, antes de tudo, dentro do próprio Partido. Sem isso, a autocrítica é nada, uma coisa oca, não passa de uma frase vazia.

Não precisamos de qualquer autocrítica. Precisamos de uma autocrítica que eleve o nível cultural da classe operária, fortaleça seu espírito combativo, aumente sua confiança na vitória, multiplique suas forças e a ajude a se tornar a verdadeira dona do país.

Alguns dizem que, se existe autocrítica, então não é necessária disciplina operária: basta largar o trabalho e ficar de papo-furado sem nenhum compromisso. Isso não é autocrítica, é um escárnio e um desserviço com a classe operária. A autocrítica serve para fortalecer a disciplina, tornando-a consciente e capaz de resistir ao relaxamento pequeno-burguês, não o seu oposto.

Outros afirmam que, com autocrítica, não é mais preciso direção: basta deixar tudo “seguir seu curso natural”. Isso também é falso, isso também não é autocrítica. A autocrítica não enfraquece a direção — ela a fortalece, transformando-a de uma direção de papelão e sem autoridade verdadeira em uma direção viva, com autoridade real.

Existe também outro tipo de “autocrítica” — aquela que destrói o espírito partidário, desacredita o Poder Soviético, enfraquece nossa construção socialista, desorganiza os quadros econômicos, desarma a classe operária e se perde em tagarelices sobre “degeneração”. Era exatamente esse tipo que a oposição trotskista defendia. O Partido não tem nada em comum com essa “autocrítica” e vai combatê-la com todas as forças.

É fundamental distinguir essa “autocrítica” destrutiva, que é estranha e antibolchevique para nós, da nossa autocrítica bolchevique, que busca consolidar o espírito partidário, fortalecer o Poder Soviético, melhorar a construção socialista, a preparar e armar a classe operária para as novas lutas pela frente.

A campanha pelo reforço da autocrítica começou há poucos meses. Ainda não temos dados para um balanço completo, mas já é possível afirmar que os resultados iniciais são positivos. A onda da autocrítica cresce e se amplia, envolvendo cada vez mais setores da classe operária na tarefa da construção socialista. Exemplos como a revitalização das Conferências de Produção e das Comissões de Controle Temporárias falam por si.

É verdade que ainda existem tentativas de engavetar as propostas fundamentadas dessas conferências e comissões — tentativas que visam desanimar os trabalhadores. Mas não há dúvida de que essas manobras burocráticas serão varridas pela força crescente da autocrítica.

Também não dá para negar que, como resultado da autocrítica, nossos diretores fabris começam a se alinhar, tornam-se mais vigilantes e encaram com mais seriedade as questões da direção econômica. Nossos quadros partidários, soviéticos, sindicais e de outros setores também se mostram mais sensíveis e receptivos às demandas das massas.

É verdade que a democracia interna do Partido e a democracia operária em geral ainda não estão plenamente consolidadas nas organizações de massa da classe trabalhadora. Mas não há motivo para duvidar que essa causa avançará com o desenrolar da campanha.

Outro resultado evidente da autocrítica é a transformação da nossa imprensa: ela se tornou mais viva e dinâmica. Organizações de correspondentes operários e camponeses já começam a se consolidar como uma força política séria.

É verdade que nossa imprensa ainda peca, às vezes, pela superficialidade. Falta avançar das críticas isoladas para análises mais profundas e, depois, para a generalização dos resultados — mostrando quais conquistas foram alcançadas graças à crítica. Mas é quase certo que isso evoluirá com a campanha.

Por outro lado, é preciso reconhecer os pontos negativos. Já surgem distorções da palavra de ordem da autocrítica que, se não forem combatidas agora, podem levar à sua vulgarização.

1) Antes de tudo, é preciso destacar um problema: em vários órgãos de imprensa surgiu a tendência de desviar a campanha do terreno da crítica objetiva das fraquezas da nossa construção socialista para o terreno dos gritos sensacionalistas sobre excessos na vida privada. Parece inacreditável, mas é um fato.

Veja o exemplo do jornal “Vlast Truda” (O Poder do Trabalho), órgão do Comitê Executivo e Distrital de Irkutsk (nº 128). Lá, uma página inteira foi tomada por manchetes como: “Promiscuidade na vida sexual — um vício burguês”(1), “Um gole leva a outro”, “A casinha própria ama uma vaquinha própria”, “Os canalhas da cama de casal”(2), “O tiro que não saiu”, e outras do mesmo tipo. Pergunta: o que pode haver de comum entre esses gritos “críticos”, dignos de um tabloide de fofoca sensacionalista, com a autocrítica bolchevique, cujo objetivo é melhorar nossa construção socialista? É possível que o autor dessas notas seja um comunista, é possível que ele odeie os inimigos de classe do Poder Soviético. Mas não há dúvida de que ele se desviou do caminho justo, vulgarizando a palavra de ordem da autocrítica e falando com uma voz que não é a da nossa classe — nisso não pode haver dúvida.

2) Além disso, mesmo órgãos de imprensa que, em geral, sabem criticar corretamente, às vezes caem na armadilha da “crítica pela crítica”, transformando-a em um esporte voltado para o sensacionalismo. Tomemos como exemplo o “Komsomolskaya Pravda” (A Verdade do Komsomol). Todos conhecem os méritos desse jornal da juventude na promoção da autocrítica. Mas basta olhar os últimos números para ver a “crítica” aos dirigentes do Conselho Central dos Sindicatos: uma série de caricaturas inadmissíveis sobre o tema. Pergunta: quem precisa desse tipo de “crítica” e o que ela acrescenta, além de comprometer a palavra de ordem da autocrítica? Para que serve isso, se o objetivo é fortalecer nossa construção socialista — e não provocar risadinhas baratas? Claro, para a autocrítica são necessárias várias formas de expressão, inclusive a “cavalaria leve”. Mas será que isso significa transformar a cavalaria leve em cavalaria leviana?

3) Por fim, é preciso observar uma tendência perigosa: algumas organizações estão transformando a autocrítica em perseguição aos nossos quadros econômicos, desacreditando-os diante da classe operária. É fato que certas organizações locais na Ucrânia e na Rússia Central iniciaram uma verdadeira caça às bruxas aos nossos melhores diretores, cuja única “culpa” é não serem infalíveis. Como entender resoluções que pedem o afastamento desses diretores — resoluções sem força obrigatória, mas claramente feitas para desacreditá-los? Como entender que criticam, mas não permitem que os diretores respondam? Desde quando um “julgamento arbitrário” passou a ser apresentado como autocrítica?

Claro, não podemos exigir que a crítica esteja 100% correta. Se a crítica vem de baixo, não devemos desprezar nem mesmo aquela que acerta apenas 5 ou 10%. Isso é verdade. Mas será que disso se conclui que devemos exigir dos gestores perfeição absoluta? Existe alguém no mundo garantido contra erros?

É tão difícil entender que a formação de quadros econômicos leva anos e que nossa atitude diante dos diretores deve ser cuidadosa e responsável? É tão difícil compreender que a autocrítica não serve para perseguir nossos quadros, mas para melhorar e fortalecê-los?

Critiquem as fraquezas da nossa construção socialista, mas não vulgarizem a palavra de ordem da autocrítica, transformando-a em sensacionalismo barato com manchetes como: “Os canalhas da cama de casal”, “O tiro que não saiu”, etc.

Critiquem as fraquezas da nossa construção socialista, mas não desacreditem a autocrítica, nem a transformem em uma fábrica de sensacionalismo barato.

Critiquem as fraquezas da nossa construção socialista, mas não deturpem a autocrítica, nem a usem como instrumento de perseguição aos nossos quadros econômicos — ou a qualquer outro setor.

E, o mais importante: não substituam a crítica de massa vinda de baixo pela tagarelice “crítica” vinda de cima. Deixem as massas da classe operária assumir essa tarefa e expressar sua iniciativa criadora para corrigir nossas fraquezas e melhorar nossa construção socialista.