Salário, Preço e Lucro

Karl Marx


5. Salário e Preços


Reduzidos à sua expressão teórica mais simples, todos os argumentos de nosso amigo se traduzem num só e único dogma: "os preços das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários".

Ante esta heresia antiquada e desacreditada, eu poderia invocar a observação prática. Poderia dizer-vos que os operários fabris, os mineiros, os construtores navais e outros trabalhadores inglêses, cujo trabalho é relativamente bem pago, vencem a todas as demais nações pela barateza de seus produtos, enquanto, por exemplo, o trabalhador agrícola inglês, cujo trabalho é relativamente mal pago, é batido por quase todos os demais países, em conseqüência da carestia de seus produtos. Comparando uns artigos com outros, dentro do mesmo país, e as mercadorias de distintos países entre si, poderia demonstrar que, se abstrairmos algumas exceções mais aparentes que reais, em termo médio o trabalho que recebe alta remuneração produz mercadorias baratas e o trabalho que recebe baixa remuneração, mercadorias caras. Isto, naturalmente, não demonstraria que o elevado preço do trabalho em certos casos e, em outros, o seu preço baixo, sejam as respectivas causas destes efeitos diametralmente opostos mas em todo caso serviria para provar que os preços das mercadorias não são governados pelos preços do trabalho. Todavia, prescindiremos perfeitamente deste método empírico.

Poder-se-ia, talvez, negar que o cidadão Weston sustente o dogma de que "os preços das mercadorias se determinam ou regulam pelos salários". De fato, ele jamais formulou este dogma. Disse, ao contrário, que o lucro e a renda do solo são também partes integrantes dos preços das mercadorias, posto que destes têm de sair não só os salários dos operários como os lucros do capitalista e as rendas do proprietário da terra. Porém, a seu modo de ver, como se formam os preços? Formam-se, em primeiro lugar, pelos salários; em seguida, soma-se ao preço um tanto por cento adicional em benefício do capitalista e outro tanto por cento adicional em benefício do proprietário da terra. Suponhamos que os salários do trabalho invertido na produção de uma mercadoria ascendem a 10. Se a taxa de lucro fosse de 100 por cento, o capitalista acrescentaria 10 aos salários desembolsados, e se a taxa de renda fosse também de 100 por cento sobre os salários, ter-se-ia que ajuntar mais 10, com o que o preço total da mercadoria viria a cifrar-se em 30. Semelhante determinação do preço, porém, estaria presidida simplesmente pelos salários. Se estes, no nosso exemplo, subissem a 20, o preço da mercadoria elevar-se-ia a 60 e assim sucessivamente. Eis porque todos os escritores antiquados de economia política que alvitravam a tese de que os salários regulam os preços, intentavam prová-la apresentando o lucro e a renda do solo como simples percentagens adicionais sobre os salários. Nenhum deles era, naturalmente, capaz de reduzir os limites dessas percentagens a uma lei econômica. Pareciam, ao contrário, acreditar que os lucros se fixavam pela tradição, costume, vontade do capitalista, ou por qualquer outro método igualmente arbitrário e inexplicável. Quando afirmavam que os lucros se determinam pela concorrência entre os capitalistas, portanto, não explicavam absolutamente nada. Esta concorrência por certo nivela as diferentes taxas de lucros das diversas indústrias, ou seja, as reduz a um nível médio, porém jamais pode determinar este nível, ou a taxa geral de lucro.

Que queremos dizer quando afirmamos que os preços das mercadorias são determinados pelos salários? Como o salário não é mais do que uma denominação do preço do trabalho, queremos dizer com isso que os preços das mercadorias regulam-se pelo preço do trabalho. E como "preço" é valor de troca - e quando falo de valor refiro-me sempre ao valor de troca - a saber: valor de troca expresso em dinheiro, aquela afirmativa equivale a esta outra: "o valor das mercadorias é determinado pelo valor do trabalho", ou, o que vem a dar no mesmo,"o valor do trabalho é a medida geral do valor".

Mas, por sua vez, como se determina o "valor do trabalho"? Aqui, chegamos a um ponto morto. A um ponto morto, sem dúvida, se tentamos raciocinar logicamente. Porém, os proponentes desta teoria não têm lá grandes escrúpulos em matéria de lógica. Tomemos o nosso amigo Weston, como exemplo. Primeiro, dizia-nos que os salários regulavam os preços das mercadorias e que, portanto, quando os salários subiam, estes deviam subir também. Depois, dava meia volta para nos demonstrar que um aumento de salários não serviria para nada, visto que também subiriam os preços das mercadorias, e os salários se mediam, na realidade, pelos preços das mercadorias com eles compradas. Assim, partindo da afirmativa de que o valor do trabalho determina o valor da mercadoria, viemos parar na afirmativa de que o valor da mercadoria determina o valor do trabalho. Nada mais fazemos do que nos mover num círculo vicioso, sem chegar a nenhuma conclusão.

No geral, é evidente que, tomando a valor de uma mercadoria, por exemplo, o trabalho, o trigo ou outra mercadoria qualquer, como medida e regulador geral do valor, apenas desviamos a dificuldade, já que determinamos um valor por outro, que, por sua vez, também necessita ser determinado.

Expresso em sua forma mais abstrata, o dogma de que "os salários determinam os preços das mercadorias" equivale a dizer que "o valor se determina pelo valor", e esta tautologia só demonstra, na realidade, que nada sabemos a respeito do valor. Se admitíssemos semelhante premissa, toda a argumentação acerca das leis gerais da economia política converter-se-ia em mera tagarelice. Por isso deve-se reconhecer a Ricardo o grande mérito de haver destruído até aos fundamentos, com a sua obra sobre os Princípios da Economia Política, publicada em 1817, o velho erro, tão divulgado e gasto, de que "os salários determinam os preços", falácia iá rechaçada por Adam Smith e seus predecessores franceses na parte verdadeiramente científica de suas investigações, mas que, não obstante, eles reproduziram nos seus capítulos mais esotéricos e de vulgarização.