A Assembleia Constituinte e o Partido Comunista

Carlos Marighella

16 de março de 1946


Primeira edição: A Classe Operária, nº 2 da terceira fase, 16 de março de 1946, pp. 6.

Fonte: Arquivo Marxista na Internet, Seção Temática, Imprensa Proletária: A Classe Operária.

Transcrição e HTML: João Victor Bastos Batalha.

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A Assembleia Constituinte assinala para o Brasil uma fase da democracia, não somente nova, como também mais elevada. Isso é, sem dúvida nenhuma, o resultado do proletariado possuir agora os seus representantes dentro dessa Assembleia.

Por outro lado, a participação do proletariado na Assembleia Constituinte representa um poderoso fator de democracia, que há de concorrer para novos passos em frente no caminho da liberdade e da liquidação da base econômica da reação e do fascismo.

Antes, a classe operária não podia ter representação no parlamento. Ela não havia aparecido ainda como classe independente, como classe em si e para si. Assim, na Assembleia Constituinte de 1823 não podia haver representantes da classe operária, como também não era possível em 1891. Em 1934, a presentação “classista”, como é sabido, não chegava a ser uma representação da classe operária.

Entretanto, já aí o proletariado, mais desenvolvido, melhor organizado, podia exercer pressão sobre a Assembleia, colhendo logo os resultados com a inclusão do direito de greve em dispositivo da carta constitucional.

As manifestações de então foram dirigidas pelo nosso Partido, que, desde 1923, existia como vanguarda da classe operária.

Em 1946, as condições são outras e o proletariado, numa nova fase de ascensão da democracia no mundo inteiro, por meios pacíficos, tendo à frente um Partido Comunista legal e forte, utiliza o sufrágio universal, não ainda em toda a sua plenitude, mas, pelo menos, em tal grau que lhe permite agir de dentro da própria Assembleia com uma representação relativamente numerosa.

O que isso significa para a classe operária pode dizê-lo esse escasso mês que decorreu para os trabalhos da Constituinte de 46.

Vimos toda a sorte de recursos e de manifestações reacionárias dos partidos das classes dominantes, dos senhores da terra e de todos os magnatas a serviço do capital estrangeiro colonizador.

O sufrágio universal trouxe, portanto, ao proletariado um grande benefício, que, quando mais não fosse, pelo menos, como diz Engels: “abriu à nossa representação no Parlamento uma tribuna do alto da qual pode falar a seus adversários, na câmara, e às massas, fora dela, com uma autoridade e uma liberdade muito diferente das que tem na imprensa e nos comícios”.

É evidente que a classe operária não pode ter a Assembleia Constituinte como um fim. Quer dizer, a classe operária não pode esperar que todos os seus problemas venham a ser resolvidos só com o funcionamento dessa Assembleia.

Prestes mesmo havia afirmado no seu informe ao Pleno Ampliado de janeiro que “na futura Assembleia Constituinte, os representantes das classes dominantes vacilarão inevitavelmente entre a reação e a democracia”.

Na prática, os representantes dos partidos das classes dominantes têm vacilado muito mais para o lado da reação do que da democracia.

Os exemplos frisantes são o apoio descarado à carta parafascista resultante do golpe de 37, os ataques ao Partido Comunista, a resistência a assegurar a soberania da própria Assembleia, a indiferença diante da situação aflitiva das massas trabalhadoras, o receio de encarar o problema do monopólio da terra, atitudes pelas quais, até agora, se tem caracterizado a atuação da maioria e seu apêndice, o Partido Trabalhista.

A composição reacionária da Assembleia Constituinte não representa, porém, um fator decisivo para impedir a marcha da democracia para a frente.

É preciso levar em consideração que agora a Constituinte conta com a fração parlamentar comunista. O que isso representa, só o futuro poderá dizê-lo. Mas, desde já, estão à vista as consequências do fato da classe operária poder utilizar-se também da luta parlamentar.

O ensinamento que Lênin nos dá a respeito é o de que “a luta na tribuna parlamentar é obrigatória para o partido do proletariado revolucionário, a fim de educar os elementos atrasados e instruir a massa aldeã analfabeta, ignorante e embrutecida”.

A luta parlamentar proporciona, assim, os recursos para “o mais completo e sistemático desmascaramento dos que de fato fizeram uso do mandato contra os interesses do povo e da democracia”.

Em resumo, o que a experiência ensina é a necessidade de combinar a luta parlamentar com a luta extraparlamentar.

Toda e qualquer ilusão parlamentarista só poderia levar as massas trabalhadoras a uma situação de maior desespero. E é isso precisamente o que exige organizar o proletariado de forma tenaz e paciente, utilizando todos os recursos da tribuna parlamentar para arrancar os elementos mais atrasados da classe operária e do campesinato da influência das classes dominantes.

As massas se convencerão, por fim, por experiência própria, e a justeza da linha política da vanguarda, o acerto de sua estratégia e de sua tática política farão o resto.

Aí o motivo porque, dentro da paz, da ordem e da tranquilidade, o nosso Partido, encarnando as aspirações de todo o povo e da classe operária, tem sido o mais combativo defensor da soberania da Assembleia Constituinte e o mais eficiente propugnador da organização das massas trabalhadoras para o apoio a essa Assembleia e o seu fortalecimento, como meio de levar o proletariado e o povo a conhecerem os seus verdadeiros representantes e resolverem seus problemas.